quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

uma dura realidade em nossa Paróquia

"O medo mora ao lado" matéria do jornal  OPOVO de hoje

Uma árvore divide a rotina da rua Grito de Alerta, na Barra do Ceará. Nos dois primeiros quarteirões, ela é só alegria, cheia de gente conhecida. Dali em diante, a morte banalizou-se, as janelas foram fechadas e quase ninguém é visto nas calçadas

Cenário de crônicas policiais, a rua Grito de Alerta tenta driblar com alegria os casos de violência cotidiana (Sara Maia)  

Descendo a Francisco Calaça, na Barra do Ceará, vire à direita uma antes da praia. Nos dois primeiros quarteirões, a rua Grito de Alerta lembra cidade pequena. No fim de tarde tem muita gente na calçada, forró tocando alto no segundo andar do puxadinho, meninos empinando pipa, um grupo de senhores entretido no dominó, um vai e vem danado. Todo mundo se conhece. Para saber mais sobre as histórias do lugar, indicam a casa rosa, que parece mesmo antiga, igual uma casa do sertão, com aquela porta que se abre ao meio e vira janela.

“Eu mesmo fiz. Criei 12 filhos aqui”, conta Edilson Nonato Moreira, 61, encostado no batente. “Pra lá, não tinha casa, não tinha energia, nada. Quem arrumou esse terreno pra nós foi a dona Dorite, que mudou pra Aquiraz. Era duma fábrica de couro que faliu”, refaz Edilson. Dizem que foi a filha de dona Dorite quem deu o nome da rua: Grito de Alerta. Antônio Rodrigues, 61, que espera a vez no dominó, fala que desde aquela época tinha arrastão e gangue na rua, daí o nome. Ninguém confirma. “Botaram e pegou”.

“Mas tem tudo a ver, sim”, diz Cristian de Assis da Silva, 30, empinando pipa com o filho no fim da tarde. Ele chegou garoto na Grito de Alerta, com 12 anos. O asfalto era uma lagoa com uma duna branquinha atrás. Havia uma serraria, um monte de carrapateiras e bem menos moradores. “Hoje não cabe mais de gente e a violência aumentou muito. Já teve chacina, morreu menino de 12 anos, um monte de amigo, o finado Pandim, um bebê tomou uma bala perdida no braço do pai. Um programa de TV botou o apelido de rua da morte”.

Do pé de fícus benjamin pra baixo, não é aconselhável andar. Vários moradores dão o alerta. “No primeiro quarteirão é tranqüilo, só não vá mais pra baixo”, adverte Antônio Bonifácio, 55, que chegou de Pindoretama, em 1980. Melhor completar o percurso de carro. A árvore que fica num largo, em frente ao mercadinho, demarca o outro lado. A rua começa colorida e cheia de gente. Dali em diante, se esvazia. “Aqui é a divisa, por isso as mortes acontecem aí em frente”, conta um dos funcionários do mercantil.

De tão acostumados com a tensão, a violência vira piada. “Agora tá bem melhor, é só um por semana”, debocha um senhor. Ana Célia, 40, mora próximo ao mercadinho. No fim de 2010, no meio da tarde, estava indo comprar umas coisas e de longe viu o amigo no chão, baleado. “Corri e ele estava morto. Minha família não se acostuma. Esse daí, quando estoura fogos, já se assusta. Se o pai tiver fora, só sossega quando ele chega”, conta, apontando o filho Jesus, 6. Do lado de lá, os meninos ocupam a rua. Desse, o filho mais velho, Gabriel, 14, só sai de casa para o colégio.

ENTENDA A SERIE

Durante as quintas de janeiro, O POVO procurou passear por Fortaleza tendo como provocação o inusitado dos títulos que batizam suas ruas. No Planalto Ayrton Senna, conhecemos a rua Apocalipse; no Vicente Pinzon, passamos pela Vista Para o Mar; até chegarmos hoje à Grito de Alerta. Na próxima semana, encerramos a série de reportagens cruzando um trecho da Via Láctea escondido na Capital.
Mariana Toniatti
marianatoniatti@opovo.com.br

 

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